Antes de mais nada gostaria de recomendar o filme O JUIZ:
Na primeira parte do julgamento, o placar foi de 5
a 0. Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Rosa
Weber e Alexandre de Moraes votaram contra o conhecimento do habeas corpus.
A partir daí começou um debate que evidenciou o que já
publiquei aqui sobre a politização do judiciário.(Click Aqui)
Vamos aos principais pontos:
GILMAR MENDES
"Passou a ser altamente vantajoso, perante à opinião
pública, não conceder habeas corpus", disse Gilmar Mendes, e continuou, "A
corrupção já entrou na Lava Jato, na Procuradoria ... Se nós chancelarmos esse
poder e tornarmos impossível a concessão de ordem de casos vamos ser cúmplices
de grandes patifarias que estão a ocorrer”.
Gilmar fez críticas a "gente empoderada" no
Judiciário. Ele comentou o caso do auxílio-moradia para juízes no Rio e o citou
o juiz Marcelo Bretas... Ele também criticou a imprensa citando a "mídia
opressiva", disse que juízes estão com medo de veículos de imprensa... E
Finalizou afirmando: "Já existe o código penal de Curitiba, que se crie a
Constituição de Curitiba também ... É populismo judicial", citando a prisão provisória e os votos de quem
foi contra o conhecimento do habeas corpus.
Mas o que me chamou a atenção foi o voto do ministro Marco
Aurélio quando disse que a Corte "não é seletiva" e que não pode
falhar em termos de jurisdição. Em seu voto, o referido ministro disse que os
tempos são "estranhos". "O tribunal de hoje prestará contas à
história".
Em seu voto Marco Aurélio citou o artigo: As misérias do
Supremo Tribunal Federal, de Thais Lima, publicado no portal JOTA que reproduzo
aqui na integra:
As misérias do Supremo Tribunal Federal
Infelizmente, no STF
de hoje se vê que o direito penal tornou-se o principal discurso político da
Corte (por, Thais Lima)
A toga, sem dúvida, induz ao recato. Infelizmente hoje em dia, e cada vez mais, por debaixo deste aspecto, a função judicial se encontra ameaçada pelos perigos opostos da indiferença ou do clamor: indiferença quanto aos processos menores, clamor aos processos célebres. (Francesco Carnelutti, As misérias do processo penal, p. 20)
Ao
defender a execução da pena antes do trânsito em julgado, depois da condenação
de segunda instância, há uma declarada preocupação dos ministros do Supremo
Tribunal Federal em reduzir a seletividade do sistema penal. No entanto, dada a
realidade atual, o argumento parece retórico. Procura-se tornar palatável o
fato de que a nova jurisprudência, para atingir criminosos do colarinho branco,
precisa também produzir, ainda que com dolo eventual, diversas vítimas
colaterais: a grande massa carcerária, em sua maioria pretos, pobres e
semianalfabetos. Ao que tudo indica, embora tal entendimento possa alcançar
algumas pessoas que se achavam acima da lei, esse pretendido avanço civilizatório
terminará por deixar ainda mais duras as condições carcerárias das centenas de
milhares de presos anônimos, agravando o principal problema de direitos humanos
existente no País, reconhecido pelo próprio STF.
O processo
penal é um instrumento da civilização, e uma civilização pode ser medida pelo
tratamento que dá aos seus condenados. Em substituição às antigas execuções em
praça pública, por apedrejamento, fogueira, guilhotina ou forca, o processo
penal consiste no meio civilizado de canalizar a vingança pública por meio de
um processo público, justo, imparcial, de modo que a pena só seja aplicada a
quem a mereça, na medida em que a merecer. O processo penal, portanto, é um
meio de contenção do impulso da multidão que acusa rapidamente, condena
arbitrariamente e executa a pena cruelmente. É um direito que a civilização
confere a cada pessoa contra todas as outras, por mais inflamadas e ultrajadas
que se sintam. Não haveria razão para o processo penal se sempre prevalecesse,
contra o réu, a vontade da maioria indignada.
Essas são
algumas das ideias contidas no notável ensaio As misérias do processo
penal, de Francesco Carnelutti (1879 -1965), resultado da disposição
daquele jurista italiano em explicar as linhas gerais do processo penal ao
grande público. As ponderações de Carnelutti permanecem atuais. Entre elas, a
de que não há ninguém tão estigmatizado na sociedade quanto os presos.
Contra
eles, na atual realidade brasileira, há o ódio, o linchamento e o desprezo
diante das nefastas condições do cárcere. Como lembrou o ministro Napoleão
Nunes Maia, “há um sentimento difundido de que quando um crime é
violento, bárbaro ou o indivíduo delinque frequentemente, ele se coloca fora do
sistema de garantias”1. Por isso, o Judiciário, neste
ponto, deveria primar, sobretudo, pela sua função contramajoritária, tão
crucial para o processo penal. E ainda que se admita que, por vezes, o Supremo
Tribunal Federal possua também um papel representativo, de intérprete do
sentimento majoritário2, esse papel deveria ser encarado,
no mínimo, com muita reserva dentro da temática criminal.
Infelizmente,
no STF de hoje o que se vê é exatamente o contrário. O direito penal tornou-se
o principal discurso político da Corte, a ponto de o ex-ministro Joaquim
Barbosa, relator do processo do mensalão, figurar entre os presidenciáveis.
Para responder à demanda da opinião pública pela punição dos réus de crimes de
colarinho branco ou coibir a prática processual procrastinatória, o STF
comporta-se como uma Casa Parlamentar: ministros disputam o palanque da TV
Justiça, utilizam manobras de obstrução de pauta, manipulam quorums de
julgamentos, cedem a pressões externas e mudam seus votos conforme o público e
a ocasião. Para juízes imparciais, a estratégia não deveria importar mais que o
Direito.
O ministro
Luís Roberto Barroso disse, no julgamento do HC do ex-Presidente Lula, no qual
se discutia a possibilidade da execução antecipada da pena, que se recusa “a
participar sem reagir de um sistema de justiça que não funciona, salvo para
prender menino pobre”. Ocorre que esses meninos pobres, em seu voto,
viraram pequenos percentuais com o intuito de demonstrar que seriam poucas as
vítimas colaterais a serem atingidas pelo seu entendimento. Seria possível
inverter os percentuais e demonstrar que a execução provisória da pena, a
pretexto de atingir 1% de criminosos, prejudicará as já gravíssimas condições
carcerárias dos outros 99%, como demonstrado em outro artigo3. De toda forma, em números
absolutos, esses mesmos dados revelam que, a cada dois dias, um réu pobre,
assistido pela Defensoria Pública, é absolvido no Superior Tribunal de Justiça
(330 em dois anos), e que, em todos os dias úteis, ao menos um réu pobre passa
a cumprir sua pena em liberdade por decisão deste mesmo Tribunal (519 em dois
anos)4.
Já a
ministra Cármen Lúcia deixa de colocar em pauta as Ações Diretas de
Constitucionalidade nºs 43 e 44, que discutem o tema da execução antecipada da
pena, de forma ampla e com efeitos para todos os réus, inclusive os assistidos
pela Defensoria Pública, pois restaria vencida em seu entendimento, que é
contrário ao da atual maioria da Corte. Alguns milhares de réus pobres seriam
beneficiados caso isso ocorresse, mas isso parece não importar para a
presidente do Tribunal. Por outro lado, desde janeiro deste ano, a mesma
ministra não se manifestou acerca do pedido da PGR de execução antecipada da
pena do senador Ivo Cassol, condenado pelo STF a quatro anos de reclusão, em
regime aberto, em pena substituída por sanções restritivas de direitos, por
fraudes a licitações em Rondônia que resultaram no desvio de alguns milhões de
reais (AP 565). Mas no caso de Reinaldo Galdino Dias, que furtou uma cédula de
R$ 50,00 (cinquenta reais) e um maço de cigarros, a mesma Ministra entendeu que
a pena deveria ser de prisão, não sendo-lhe permitido cumprir a reprimenda
prestando serviço à comunidade, sob o argumento de que ele era reincidente (HC
118.089).
Mesmo o
ministro Gilmar Mendes, que atualmente entende que a execução provisória da
pena somente deve se iniciar a partir do julgamento do recurso no Superior
Tribunal de Justiça, admite que em “situações excepcionais, para
hipóteses de crimes graves, em que normalmente se impõe o regime fechado,
pode-se dar início ao cumprimento da pena a partir do segundo grau de
julgamento”. Ora, a avaliação acerca da gravidade do crime é critério
rotineiramente utilizado pelos juízes para punir com mais rigor os crimes
normalmente cometidos pelos mais pobres e atenuar aqueles cometidos pelos mais
abastados. E serão estes últimos os beneficiados com a prisão apenas no STJ.
Aos demais, o critério subjetivo permitirá a antecipação da pena na segunda
instância.
Também
para responder aos anseios majoritários, alguns ministros do STF iniciaram uma
discussão sobre a prisão em primeira instância nos processos do júri. Não
haveria surpresa se, mais uma vez sem um prévio debate público sério5, o Pleno do STF passasse a entender
que, nos crimes dolosos contra a vida, a pena já devesse ser cumprida logo após
a condenação pelo Conselho de Sentença. Casos paradigmáticos, mas que não
espelham, nem pela gravidade nem pela demora, o cotidiano dos Tribunais do Júri,
foram citados no intuito de impressionar o auditório.
A
realidade no Tribunal do Júri é de réus desconhecidos, assistidos pela
Defensoria Pública, que por vezes condenados num primeiro julgamento, são
absolvidos num segundo julgamento após a anulação da sessão plenária pelo
Tribunal de Justiça. Esses réus seriam prematuramente presos para serem
absolvidos depois, mas isso também não parece importar.
Além
disso, muitos dos ministros também reclamam dos inúmeros recursos protelatórios
utilizados por vezes nos processos criminais para alcançar a prescrição ou a
impunidade, sem ressalvar que a grande maioria dos réus pobres é assistida pela
Defensoria Pública, uma instituição atualmente reconhecida e respeitada pela
sociedade6. Veja-se que na pesquisa
apresentada pelos ministros Luís Roberto Barroso e Rogério Schietti, a
Defensoria é parte em 40% das decisões proferidas pelo STJ, mas obtém
praticamente o dobro de resultados positivos quando comparados com os processos
dos advogados particulares7. Situações anômalas, como a
interposição de dezenas de recursos internos num mesmo processo, ocorrem
possivelmente em quantidade ainda menor que os percentuais citados para
justificar a execução provisória, e certamente não correspondem ao proceder da
Defensoria Pública, instituição que mais atua na defesa em matéria criminal.
Dessa
forma, se a problemática é da impunidade dos réus acusados de crimes de colarinho
branco e que se utilizam de recursos protelatórios, não podem os acusados
assistidos pela Defensoria Pública ser penalizados com a execução antecipada da
pena, quando muitos deles dependem de decisão do STJ para correção das
ilegalidades. E dizer que poderiam obter salvo-conduto por meio de habeas
corpus é ser indiferente ao fato de que, na realidade, eles seriam
antes presos e assim teriam que aguardar a decisão do STJ reconhecendo-lhes o
direito de liberdade.
O debate
sobre a necessidade ou não de trânsito em julgado para a execução da pena não
ocorreria se o STF e o STJ fossem eficientes. Assim, em verdade, mascara-se o
problema essencial: por que os processos demoram tanto para transitar em
julgado? Quais são os gargalos procedimentais que impedem a tramitação célere
dos processos? A morosidade do STF e do STJ são os verdadeiros problemas que
não estão sendo enfrentados, pois se supõe que eles não tenham solução. E,
sendo assim, a solução seria desprezar a norma constitucional que impõe
claramente o trânsito em julgado. Mas há algo de errado com o guardião da
Constituição quando ele passa a entender que a própria Constituição é um
problema.
Evidentemente,
é legítimo o anseio social e a preocupação dos ministros do STF em reduzir a
impunidade seletiva. Por melhores que sejam as razões políticas e pragmáticas
para a execução da pena depois da condenação em segunda instância, sua eventual
prevalência não pode implicar o sacrifício da lei e da Constituição. Não
precisamos de mais essa miséria.
—————————
2 Luís Roberto Barroso, A
judicialização da vida e o papel do Supremo Tribunal Federal, 2018, p. 114.
4No período de 2 anos, de 27.779
decisões proferidas nos recursos da Defensoria Pública, em AREsp e REsp, o
Superior Tribunal de Justiça, 1,19% foram de absolvição, ou seja, 330 casos, e
1,87% foram de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de
direitos, ou seja, 519 casos
(http://www.stj.jus.br/static_files/STJ/Midias/arquivos/Noticias/pesquisa_
recursos.pdf)
5 Essa crítica decorre da postura
da Corte ao determinar a virada jurisprudencial sobre a interpretação do artigo
5o, LVII, da Constituição da República no Habeas Corpus 126.292,
colocado em mesa e que surpreendeu toda a comunidade jurídica.
6 Em pesquisa do CNMP, a
instituição foi considerada na pesquisa como a mais importante
(http://www.cnmp.mp.br/portal/images/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_da_pesquisa_CNMP_V7.pdf).